Com a recente publicação do Provimento nº 188 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a realização de due diligence imobiliária na aquisição de imóveis passou a ser imprescindível, sob o risco de o “sonho” se tornar um “pesadelo”, gerando enorme prejuízos aos compradores.
Para um melhor entendimento, a due diligence imobiliária consiste na análise criteriosa dos documentos e certidões dos vendedores, suas partes relacionadas (quando os vendedores são empresas) e do imóvel. Esta análise tem por objetivo conhecer eventuais riscos e apresentar recomendações para diminuir ou eliminá-los, principalmente em relação à hipótese de haver a nulidade futura da compra pretendida.
Pois bem, o Provimento nº 188 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que alterou o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, dispõe sobre o funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) 2.0, e entrou em vigor no dia 10 de janeiro de 2025.
Para esclarecer, a indisponibilidade de bens ocorre por meio de uma decisão judicial que impede a venda ou a transmissão de bens de uma pessoa ou empresa a terceiros. O seu objetivo é resguardar o patrimônio e garantir que ele esteja disponível para o cumprimento de obrigações já existentes do vendedor ou transmissor.
Este tipo de decisão judicial é geralmente observada nos seguintes casos, exemplificativamente: litígios em que há risco de o patrimônio ser desviado, antes da decisão final; execuções trabalhistas e fiscais; casos de recuperação judicial e falência e de improbidade administrativa; investigações de CPIs, entre outros. Vejam que basta que o vendedor de um imóvel esteja sendo executado judicialmente por falta de pagamento de IPTU que o imóvel pode ser alvo de um pedido de indisponibilidade.
A Lei Federal nº. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), por meio do seu artigo 247, dispõe que a declaração de indisponibilidade deve ser averbada na matrícula imobiliária, primando, assim, pelos princípios da concentração dos atos na matrícula e da publicidade, a fim de propiciar maior segurança jurídica.
Alinhando-se às premissas da Lei Federal nº. 14.382/2022 (Lei do SERP), que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), objetivando a modernização e simplificação dos procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, o Provimento nº. 188 do CNJ visa aprimorar a CNIB (originalmente instituída pelo Provimento nº. 39 do CNJ, de 2014 – revogada pelo novo Provimento), de modo a não somente centralizar e garantir a efetividade das comunicações de indisponibilidades de bens decretadas por autoridades judiciárias e administrativas, como também padronizar o sistema em todo o território nacional.
Neste sentido, o novo Provimento nº 188 do CNJ determina que “todas as ordens de indisponibilidade e de cancelamento deverão ser encaminhadas aos oficiais de registro de imóveis, exclusivamente, por intermédio da CNIB, vedada a utilização de quaisquer outros meios, tais como mandados, ofícios, malotes digitais e mensagens eletrônicas.” (artigo 320-E deste Provimento).
Em linhas gerais, o Provimento nº 188 apresenta disposições que realmente visam modernizar, simplificar e padronizar a CNIB. Contudo, uma novidade trazida no § 3º, do artigo 320-I, é bastante relevante e faz acender o alerta para os adquirentes de imóveis, no que tange à efetivação e segurança dos negócios imobiliários.
O mencionado dispositivo estabelece que “a superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo exista na ordem judicial previsão em contrário”.
Isto é, este novo Provimento cria uma ordem de preferência absoluta, em favor da declaração de indisponibilidade, sobre títulos previamente prenotados, violando o princípio da prioridade registral, de modo que, se um adquirente de imóvel tiver prenotado o seu título aquisitivo (ex.: escritura pública de compra e venda) e, no prazo da prenotação, for determinada uma ordem de indisponibilidade contra o transmitente, a ordem de indisponibilidade será primeiramente registrada, em total desrespeito à prioridade do título anteriormente prenotado.
O princípio da prioridade preceitua que, na hipótese de títulos contraditórios prenotados, deve ser registrado aquele que tiver sido prenotado antes.
Por este motivo, até a publicação do Provimento nº. 188 do CNJ, o procedimento adotado por diversos registradores de imóveis era, em caso de superveniência de ordem de indisponibilidade na vigência do prazo de prenotação, o título prenotado fosse levado a registro antes da ordem de indisponibilidade.
O princípio da prioridade é corroborado pelo artigo 1.246 do Código Civil, que estabelece que “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”. Igualmente, a Lei de Registros Públicos, em seus artigos 182 e seguintes, também o ratifica, ao dispor que “todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação”, e que “o número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.
Destacamos que as últimas leis promulgadas a respeito da questão registral imobiliária vêm priorizando o princípio da concentração dos atos na matrícula, o que também demonstra ser destoante a partir da inclusão do § 3º, no artigo 320-I, do Provimento nº. 188 do CNJ.
Podemos citar também o artigo 54, da Lei Federal nº. 13.097/2015, com alterações promovidas pela Lei Federal 14.382/2022 (Lei do SERP, já mencionada acima), que ressalta que, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente do imóvel, não seria exigida a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais ou a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões, pois a matrícula imobiliária já seria suficiente.
Resta claro que a previsão contida no artigo 320-I, § 3º, do Provimento nº 188 do CNJ, se opõe ao princípio da prioridade, que determina a observância da ordem de prenotação dos títulos, bem como aos dispositivos legais vigentes acima indicados (Código Civil, Lei de Registros Públicos, Lei Federal nº. 13.097 e Lei do SERP).
Ora, apesar dos princípios da prioridade e da concentração dos atos na matrícula, bem como das disposições do artigo 54, da Lei Federal nº. 13.097/20215 (com a redação dada pela Lei do SERP), o fato é que o adquirente de um imóvel, legalmente reconhecido como de boa-fé e com título prenotado, pode ter o registro negado pelo Oficial do Registro de Imóveis, em razão de declaração de indisponibilidade superveniente, tornando, portanto, ineficaz o negócio jurídico por ele realizado, tudo nos termos do referido artigo 320-I, § 3º, do Provimento nº 188 do CNJ.
Como consequência, enquanto vigorar a redação atual do artigo 320-I, § 3º, do Provimento nº 188 CNJ, a realização de due diligence imobiliária (diligência legal), mediante a obtenção e apresentação de todas certidões do imóvel e seu(s) proprietário(s), inclusive do(s) ex-proprietário(s) em algumas situações, além de partes relacionadas quando houver grupo econômico, constitui medida de cautela indispensável e de extrema relevância para o adquirente de imóvel, a fim de garantir segurança jurídica e a eficácia do negócio realizado, demonstrando sua boa-fé e evitando ou minimizando a possibilidade da averbação de indisponibilidade ou qualquer outro gravame não conhecido ou superveniente em nome do transmitente.
Além da realização desta due diligence, que, por si só, já poderá propiciar a almejada segurança jurídica e eficácia do negócio pretendido, em algumas situações específicas e com cautela ainda maior, o adquirente poderá utilizar uma conta garantia (“Escrow Account”) notarial, nos termos do artigo 7-A, da Lei Federal nº. 8.935/1994, incluído pela Lei Federal 14.711/2023, por meio da qual “o preço do negócio ou os valores conexos poderão ser recebidos ou consignados por meio do tabelião de notas, que repassará o montante à parte devida ao constatar a ocorrência ou a frustração das condições negociais aplicáveis, não podendo o depósito feito em conta vinculada ao negócio, nos termos de convênio firmado entre a entidade de classe de âmbito nacional e instituição financeira credenciada, que constituirá patrimônio segregado, ser constrito por autoridade judicial ou fiscal em razão de obrigação do depositante, de qualquer parte ou do tabelião de notas, por motivo estranho ao próprio negócio”.
Assim, nessa última hipótese, as Partes podem estabelecer, por exemplo, que o preço do negócio (total ou parcial) somente será liberado ao transmitente do imóvel, após o registro da escritura de aquisição pelo adquirente, trazendo segurança jurídica a este, sem negligenciar o direito daquele.
Concluindo, com o início da vigência do Provimento nº 188 do CNJ, a realização de due diligence imobiliária do imóvel antes da concretização da aquisição é imprescindível para garantir a segurança jurídica do adquirente e tomadas de decisões negociais assertivas, evitando prejuízos e perdas patrimoniais. Em ambiente de incertezas jurídicas, nem mesmo a aparente ou comprovada boa-fé pode ser suficiente, motivo pelo qual a adoção de medidas preventivas é sempre recomendável.