Se você cresceu jogando ou gosta de jogos de tabuleiro e é da Região Metropolitana de Belo Horizonte, certamente conhece a “Funtasy Bar e Jogos” e foi surpreendido que o autointitulado “maior bar de jogos da América Latina” situado na parte central da região nobre e boêmia da Savassi, na capital mineira, anunciou o encerramento de suas atividades.
Uma simples leitura das postagens das redes sociais da empresa ou nas matérias publicadas em jornais eletrônicos comunicando o encerramento das atividades da “Funtasy”, é possível se deparar com centenas de comentários sem entender o que aconteceu, uma vez que se tratava de um empreendimento que sempre estava cheio e com filas para entrar.
Arthur Gomide, proprietário da “Funtasy”, explicou ao site BHAZ o ocorrido: “Nós tínhamos um contrato de cinco anos com o proprietário do imóvel, que optou por não renová-lo”, disse.
Ainda, segundo o proprietário da “Funtasy”, o imóvel localizado no “olho” da Savassi foi vendido para uma grande construtora, que deve construir um prédio no local. Ótimo negócio para o locador, péssima notícia para o inquilino e seu público, certo? E a dúvida de grande parte da clientela nos comentários é: “não existe alguma proteção para os inquilinos nesses casos”?
Uma coisa é certa: não se pode dizer exatamente o que aconteceu no caso da “Funtasy”, já que o teor do contrato entre as partes e as negociações não são públicos, mas, independentemente disso, sabemos que não se trata de um caso isolado, então a situação pode ser explicada de uma maneira hipotética. Você mesmo já deve ter se deparado com outras tantas lojas que, apesar do sucesso de público, simplesmente tiveram que deixar o ponto comercial em razão da extinção do contrato locatício.
Diante desse cenário, que não é incomum, se você for empreendedor ou simplesmente curioso sobre o tema, já deve ter se perguntado se o fim do prazo do contrato de locação de um imóvel comercial é um verdadeiro “xeque-mate” para o inquilino que, por sua vez, deverá simplesmente “arrumar suas malas” e procurar um novo local para formar sua clientela e começar do zero ou torcer para que seus fiéis clientes aceitem a migração de local.
Possivelmente, a primeira resposta que vem a sua cabeça é “sim”. Ora, o locador é o real proprietário do bem, então ele teria o poder de escolher ao fim do contrato de locação se aquela empresa permanecerá ou não em seu imóvel.
Ocorre que não é bem assim. A constituição de um bom ponto comercial é um primeiro passo para a maioria das empresas, pois lá será formado o seu “fundo de comércio”, com captação da clientela e investimento de tempo e dinheiro para o exercício da atividade empresarial e, diante disso, a legislação prevê uma proteção para os empreendedores nesse caso.
Portanto, em uma simples reflexão, deve-se ponderar que a completa sujeição do empreendedor-inquilino ao locador (incluindo a fixação de aluguéis abusivos ou o próprio despejo) importaria em significativo impacto na economia, pois a continuidade das atividades comerciais ao longo do tempo é de suma importância para a manutenção dos empregos e a circulação de bens e serviços.
Dito isto, antes do “xeque-mate” do locador, existe sim uma última jogada do empreendedor-inquilino: no prazo de 1 ano antes da data de finalização do contrato de locação de imóvel comercial em vigor, inicia-se o prazo de 6 meses para ajuizar a chamada “ação renovatória”.
A “ação renovatória” é a ação judicial proposta pelo inquilino contra seu locador para que um contrato de locação comercial seja renovado de modo forçado, mesmo contra a vontade do locador, permitindo que o empresário (inquilino) permaneça conduzindo seu negócio naquele ponto comercial. Mas ela possui um período temporal para ser proposta (1 ano até 6 meses antes do encerramento do contrato de locação) e alguns requisitos que, em breve resumo, podem ser assim elencados:
- ser o imóvel comercial;
- ser a locação pactuada por escrito;
- a locação deve ser pactuada por prazo determinado;
- o contrato de locação deve ser no mínimo de 5 anos ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos seja de 5 anos;
- a empresa locatária deve ter no mínimo 3 anos de atuação no mesmo ramo empresarial.
Na hipótese, com o ajuizamento da “ação renovatória” e demonstração do cumprimento dos requisitos legais, o contrato de locação seria renovado pelo prazo máximo de 5 anos e, restando um ano para o fim deste contrato renovado, iniciaria um novo prazo para o ajuizamento de uma nova e segunda ação renovatória de aluguel, que poderia renovar o contrato por mais 5 anos, e assim sucessivas vezes. Ou seja, preenchidos os requisitos, não há impedimento legal para a renovação do contrato de aluguel por mais 10, 15 anos ou qualquer prazo que seja.
Por meio deste instituto, resta protegida a atividade empresarial exercida em imóvel locado e se resguarda o ponto comercial, na maioria das vezes, construído após anos de trabalho e muito suor, sendo, portanto, dotado de proteção jurídica que impede investidas abusivas do locador e tentativas de apropriação do fundo empresarial pela concorrência, no entanto, infelizmente muitos empresários sequer sabem dos próprios direitos.
Cumpre-se reforçar que não se sabe ao certo as condições contratuais que forçaram a Funtasy a encerrar suas atividades, mas, sabe-se que outras tantas empresas perdem os imóveis alugados e pontos comerciais por não saberem da existência e possibilidade da “ação renovatória” e por não terem um assessoramento jurídico adequado durante a fase de elaboração e fechamento do contrato de locação.
Então se você é empreendedor e inquilino, se atente, encerrado o prazo para o ajuizamento da “ação renovatória”, o “xeque-mate” do locador significará sim, o final do jogo. Por outro lado, tanto por ocasião da contratação do primeiro prazo de locação, quanto no momento de eventual renovação, o locador também deve sempre buscar o assessoramento jurídico, sob pena de o jogo passar a admitir uma indefinida e indesejável prorrogação.