DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL – NOVA POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS TRAZIDA PELA LEI FEDERAL Nº. 14.382/22

DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL – NOVA POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS TRAZIDA PELA LEI FEDERAL Nº. 14.382/22

A Lei Federal nº. 14.382/22, advinda da conversão da Medida Provisória nº. 1.085/2021, que teve início de vigência em meados de 2022, trouxe, dentre outras inovações, a possibilidade da adjudicação compulsória extrajudicial de imóveis objeto de promessa de venda ou de cessão, por meio de alteração da “Lei de Registros Públicos” (artigo 216-B, da Lei Federal nº. 6.015/73).

A adjudicação compulsória refere-se ao direito do(a) promitente comprador(a), que, tendo quitado o preço acordado em contrato de promessa de compra e venda de imóvel celebrado, do qual não conste cláusula de arrependimento, diante da injusta negativa do(a) promitente vendedor(a) em lhe outorgar a necessária escritura pública de compra e venda, poderá legalmente exigir a celebração do título de transmissão da propriedade, para fins de registro perante o Registro de Imóveis competente.

Anteriormente à Lei Federal nº. 14.382/22, a adjudicação compulsória de imóveis somente poderia ocorrer na esfera judicial, de forma que, para obter o registro do imóvel em seu nome, seria necessário que o(a) promitente comprador(a) propusesse uma ação de adjudicação compulsória, seguindo o rito previsto no Código de Processo Civil. No julgamento do feito, ao averiguar a conformidade da documentação apresentada, o juiz reconhece a procedência do pedido e determina a expedição da carta de adjudicação, que possibilita o registro da propriedade do imóvel em nome do(a) promitente comprador(a), junto ao registro de imóveis.

Doravante, com o início de vigência da citada lei, passou-se a permitir que o requerimento da adjudicação compulsória, desde que instruído com a documentação legalmente exigida, seja integralmente processado e efetivado perante o registro de imóveis, sem a necessidade da intervenção judicial, portanto.  

Além disso, outra novidade trazida expressamente pela alteração legislativa em comento diz respeito à possibilidade de a adjudicação compulsória ser requerida não apenas pelo(a) promitente comprador(a), por qualquer dos cessionários, promitentes cessionários ou sucessores, como também pelo(a) promitente vendedor(a), que, não raro, também pode ter interesse em promover a regularização (ex.: cobranças de débitos tributários relativos ao imóvel, que permanece vinculado ao nome do(a) promitente vendedor(a), em decorrência da sua não transferência).

Para fins de elucidação, cumpre transcrever o novo dispositivo legal na íntegra:

Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.  
§ 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos: 
I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;  
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;  
III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;
IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; 
V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);
VI – procuração com poderes específicos.
§ 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.
§ 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.

Antes da edição da Lei Federal nº. 14.382/22, que incluiu o artigo 216-B à Lei Federal nº. 6.015/73 (“Lei dos Registros Públicos”), era o Código Civil que tratava do instituto da adjudicação compulsória, em seus artigos 1.417 e 1.418, atrelando-o, inevitavelmente, à modalidade judicial, conforme segue:

Artigo 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Artigo 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Além da vinculação à judicialização, prevista no artigo 1.418, percebe-se que o artigo 1.417, do Código Civil, faz menção a dois requisitos não repetidos na Lei Federal nº. 14.382/22, sendo: inexistência de previsão do direito de arrependimento na promessa de compra e venda; e o prévio registro da promessa de compra e venda no Registro de Imóveis.

Entretanto, o requerimento de adjudicação compulsória, por si só, pressupõe a inexistência do direito de arrependimento na promessa de compra e venda celebrada, eis que o compromisso suscetível a tal direito não propiciaria sua imediata efetividade.

Dessa forma, por óbvio, o adquirente somente faz jus à adjudicação compulsória em caso de inexistência do direito de arrependimento, ou caso este direito não tenha sido exercido a tempo e modo.

Inclusive, há que se destacar que, não sem razão, o procedimento extrajudicial instituído pelo artigo 216-B, da Lei de Registros Públicos, incluído pela Lei Federal nº. 14.382/22, prevê a necessidade de notificação prévia do(a) promitente vendedor(a), oportunidade em que este(a) poderá opor fato que obstaculize o direito do adquirente, sendo certo que, ao fazê-lo, o Oficial Registrador apreciará os argumentos e documentos das partes envolvidas, e, se entender necessário, instaurará procedimento de suscitação de dúvida ou remeterá o(a) autor(a) às vias ordinárias (judicial).

Destarte, respeitosamente, entendemos que a menção legal à inexistência do direito de arrependimento, como requisito para adjudicação compulsória, mostra-se desnecessária, uma vez que poderia ser tratada como qualquer outro fato eventualmente oponível pelo(a) promitente vendedor(a), não havendo diferenciação prática ou procedimental em relação ao objeto da alegação.          Noutro norte, no que tange à necessidade de registro prévio da promessa de compra e venda no Registro de Imóveis, cumpre salientar que tal condição é afastada pela Súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que assim estabelece:

Súmula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Assim sendo, não persiste a necessidade do prévio registro da promessa de compra e venda, junto ao Registro de Imóveis, para possibilitar a adjudicação compulsória em favor do(a) promitente comprador(a). Inclusive, a alteração legislativa promovida pela Lei Federal nº. 14.382/22, que possibilita a adjudicação compulsória extrajudicial de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão, sequer faz menção a eventual requisito neste sentido.

De fato, considerando que o objetivo legal é trazer os imóveis para a regularidade, não faria sentido a exigência do prévio registro da promessa de compra e venda no Registro de Imóveis, o que certamente inviabilizaria a efetivação da adjudicação compulsória na maioria dos casos. Por este motivo, acertadamente, foi editada a Súmula 239 pelo Superior Tribunal de Justiça.    

Portanto, para efeito prático, os requisitos documentais necessários à promoção da adjudicação compulsória extrajudicial são aqueles estabelecidos no artigo 216-B, da Lei Federal nº. 6.015/73, alterada pela Lei Federal nº. 14.382/22, conforme redação acima transcrita.

Uma condição comum a ambas as modalidades de adjudicação compulsória de imóvel (judicial ou extrajudicial) é a necessária representação por advogado. Tal requisito mostra-se adequado, tendo em vista que o auxílio técnico, em tese, sempre propiciará a otimização do procedimento, evitando notas de exigências calcadas na deficiência de informações e/ou documentos que não passariam desapercebidos na análise do advogado habilitado.    

Por mera cautela, a fim de evitar entendimentos equivocados, insta promover a diferenciação entre usucapião e adjudicação compulsória. Os institutos divergem na medida em que, na usucapião, é obrigatório que o autor comprove sua posse ininterrupta sobre o imóvel, por determinado período (conforme a modalidade), além de ter agido como proprietário/dono durante todo lapso, e, na adjudicação compulsória, basta somente demonstrar a aquisição do imóvel e sua respectiva quitação.

Logo, a adjudicação compulsória tem por escopo possibilitar o suprimento/substituição da escritura pública de compra do imóvel quitado, quando houver a indevida recusa ou algum impedimento colocado pelo(a) promitente vendedor(a) ou promitente comprador(a) (conforme o caso), possibilitando o registro da propriedade no Registro de Imóveis, em nome do legitimado adjudicante.

Como situações passíveis de regularização por via da adjudicação compulsória, em rol meramente exemplificativo, podemos citar: a) quando o proprietário tabular (ou mesmo o adquirente) do imóvel opõe-se a outorgar a escritura, mesmo após o cumprimento de todos os termos da promessa de compra e venda celebrada; b) ocorrência do óbito do(a) promitente vendedor(a), antes da lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel quitado.

Em suma, para que seja processado e deferido pelo Registro de Imóveis, o requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial deve ser instruído com: a) instrumento de promessa de compra e venda (ou de cessão ou de sucessão, se for o caso); b) prova do inadimplemento (recusa do(a) promitente vendedor(a)/comprador(a) em outorgar/receber a escritura), demonstrada por meio da notificação promovida pelo(a) oficial do Registro de Imóveis, que pode delegar o ato ao(à) oficial do Registro de Títulos e Documentos; c) ata notarial lavrada por tabelião de notas, constando a identificação do imóvel e das partes envolvidas, a prova da quitação do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade (conforme o caso); d) certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente, comprovando-se a ausência de litígio envolvendo a promessa de compra e venda do imóvel; e) comprovante de quitação do ITBI incidente; e f) procuração concedendo os poderes específicos necessários ao representante, para a prática dos atos do procedimento.

Inicialmente, havia sido vetado, no texto original da Lei Federal nº. 14.382, o item da lista de documentos obrigatórios que previa a necessidade da apresentação de “ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade”, sob o argumento de que essa condição poderia onerar e burocratizar o procedimento extrajudicial, dificultando a rápida regularização pretendida pelo legislador.

Todavia, posteriormente, a lei foi promulgada, com derrubada do veto, reforçando o entendimento no sentido de que a apresentação da ata seria fundamental para referendar a autenticidade da documentação apresentada, concedendo maior segurança na instrução do requerimento perante o Registro de Imóveis.

Neste diapasão, uma vez apresentados os documentos constantes do rol do artigo 216-B, da Lei Federal nº. 6.015/73, com a quitação dos emolumentos cartoriais devidos, o oficial do Registro de Imóveis competente deverá proceder ao registro da propriedade do bem em favor do(a) promitente comprador(a), usando como título o próprio instrumento particular de promessa de compra e venda.

É sabido que, por longo período, milhares de ações de adjudicação compulsória tramitaram e ainda tramitam no Judiciário brasileiro, que vem passando por reformas constantes no intuito da resolução extrajudicial de conflitos, da desjudicialização e da redução do seu acervo processual historicamente vasto.

Neste ínterim, é louvável a instituição, pela Lei Federal nº. 14.382/22, da adjudicação compulsória extrajudicial, que configura, indubitavelmente, alternativa capaz de promover a diminuição de novas ações judiciais desse jaez e, consequentemente, do acervo processual geral, pautado pela transferência da propriedade diretamente pelo Registro de Imóveis, de forma mais ágil e acessível aos interessados, comparativamente à via judicial.

Concluindo, em tese, a efetivação do procedimento extrajudicial da adjudicação compulsória tem o condão de promover maior celeridade e menor custo para uma questão imobiliária, que certamente demandaria anos para ser resolvida na seara judicial, a despeito das dificuldades práticas que podem surgir, em razão de se tratar de inovação recente. De todo modo, aqueles que se encontram em situação equivalente a uma das acima relatadas, uma vez preenchidos os requisitos do artigo 216-B, da Lei Federal nº. 6.015/73, não devem se furtar a adotar a opção extrajudicial da adjudicação compulsória, eis que se trata de ferramenta hábil e célere para a regularização de imóveis, sendo elogiável, também neste ponto, o propósito da Lei Federal nº. 14.382/22.